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Hernán Rivera Letelier, o mineiro-escritor

“desde ese día (quando em 1994 é premiado pelo Conselho Nacional do Livro e da Leitura do Chile) la vida me dio una vuelta de carnero. Me he convertido en el hombre más feliz del mundo. Hago lo que me gusta, vivo de eso y lo gozo. No he cambiado mi forma de vivir ni mis amigos, pero me siento más seguro de mí mismo, ya que no tengo que preocuparme de que no voy a tener pan para mis hijos mañana”.

Vivo há 64 anos Hernán Rivera Letelier, “mineiro-escritor por oposição a escritor-mineiro”, nasceu em Talca (Chile). Foi a ler e a escrever poesia enquanto trabalhava nas explorações de salitre do deserto costeiro de Atacama que o escritor chileno sentiu a necessidade de “devolver a memória da pampa a todos os que a quiseram esquecer”. Começa por escrever contos e poemas, mas é o romance o género literário que o torna um dos escritores mais importantes da literatura sul-americana. Influenciado pelo realismo mágico e pela experiência como mineiro, Letelier, segundo as suas palavras, sonha ser a mistura do mágico de Rulfo, do maravilhoso de García Márquez, do lúdico de Cortázar e da inteligência de Borges.

São cinco os livros traduzidos para português do autor Talquino: A Rainha Isabel Cantava Rancheras (Quetzal); Miragem de Amor com Banda de Música (Quetzal); Os Comboios Vão Para o Purgatório (Ulisseia); A Contadora de Filmes (Presença); A Arte da Ressurreição (Alfaguara); Comum a todos: a geografia única de Letelier e a sua prosa carregada de humor e surrealismo que encanta a Flâneur.

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A Rainha Isabel Cantava Rancheras é uma das obras literárias da narrativa chilena que mais sucesso obteve. Isabel é a prostituta mais famosa de todo o deserto, a mais desejada, a soberana absoluta das noites de Atacama. Retrato da vida dura e solitária de quem trabalha nas minas de salitre, dos bordéis e prostitutas. “Son mujeres que amo, porque si ser prostituta ya es fuerte, serlo en el desierto raya en lo heroico”.

Em Miragem de Amor com Banda de Música, Letelier faz desfilar a vida e os casos dos habitantes de uma povoação perdida em plena pampa. Uma bizarra história de amor entre Bello Sandalio, boémio trompetista da banda del Litro e Golondrina del Rosario, pianista e casta senhora de 29 anos. Sixto Pastor Alzamara é o barbeiro anarquista que toma a seu cargo a eliminação física do ditador Presidente da República.

Os Comboios Vão Para o Purgatório recria um mundo ora divertido e exótico, ora melancólico e romântico, do comboio que atravessa o deserto de Atacama durante a idade de ouro do salitre. São quatro dias e quatro noites de uma viagem que não eleva ao paraíso nem condena ao inferno, mas conduz ao espaço intermédio onde brota a vida e as grandes histórias.

A Contadora de Filmes narra a história de María Margarita, una menina com uma capacidade invulgar de contar histórias. É na simplicidade desta  “fazedora de ilusões” que a pobreza, a solidão e o peso do trabalho no inóspito deserto chileno, encontra o lugar ideal para sonhar. Hernán Rivera Letelier narra a história mágica dos cinemas das pampas, nos seus períodos de esplendor e decadência.

A Arte da Ressurreição, prémio alfaguara em 2010, é a história de Domingo Zárate Vega, o mesmo Cristo de Elfi de Os Comboios Vão Para o Purgatório, que graças a uma visão descobre ser a reencarnação de Jesus Cristo. Sabendo da existência de uma devota prostituta chamada Magalena parte a procurá-la, para juntos anunciarem a notícia eminente do fim do mundo. Personagens grotescas, sermões incendiários e milagres inacreditáveis compõem o maravilhoso tríptico narrado por Hernán Rivera Letelier.

Hernán Rivera Letelier é um dos preferidos na Flâneur.

Da terra árida das pampas chilenas extrai o mineiro as palavras, que, diluídas na sua paleta de memórias, desenham imagens únicas, de sonho, fantasia, desejo e miséria. São contornos de caminhos que se apagaram, outrora enclaves esquivos de vida pulsante, narrados como quem constrói uma imagem, um cenário onírico, habitado por personagens e memórias desfilantes, que à boa maneira de Fellini, parecem desaparecer, assim como se dobra uma tela pintada.