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O Amante de Lady Chatterley

(…) Acredito num mistério superior que não permite que os corações se apaguem. Se está na Escócia e eu nos Midlands e não a posso abraçar e agarrar, resta-me no entanto algo de si. A minha alma palpita docemente consigo na pequena chama de Pentecostes e é como a paz que se sente depois de fazer amor. Há uma chama que nasce quando se faz amor. Até as flores nascem do amor entre o sol e a terra, E tudo isto é um problema delicado que exige paciência e uma longa espera.
E assim gosto da minha castidade neste momento, por que é como a paz que sobrevém ao amor. Gosto de levar uma vida casta, como as goteiras gostam da água da chuva. Gosto da castidade, que é o momento de paz no nosso amor e que é uma chama branca, muito branca. E quando a primavera chegar, quando passarmos a viver juntos, então poderemos, ao fazer amor, tornar a pequena chama brilhante, amarela e brilhante. Agora é impossível. Agora temos de ser castos, e é bom ser casto, é como um rio de água fria na alma. Gosto da castidade que corre agora entre nós. É água fresca da chuva.
Como é possível desejar permanentemente as cansativas aventuras? Ser apenas Don Juan é terrível, não chega para conseguir extrair paz do amor, quando a pseudochama brilha, incapaz de ser casto de vez em quando, como quem se senta na margem de um rio. (…)

D. H. Lawrence, in O Amante de Lady Chatterley
Edição Relógio D’Água

https://www.flaneur.pt/produto/o-amante-de-lady-chatterley/

Pintura: Woman Drying Her Hair. Joseph DeCamp

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O Homem que Morreu

(…)Depois, o macho começou a passear atrás delas com um ar condescendente; mas sentiu a pata detida pelo limite da corda, e rendeu-se com uma espécie de colapso. Arreava a bandeira, dir-se-ia que minguava e se dissolvia na sombra. Apesar de novo e com um rabo de penas que, embora vistosas, não tinham chegado ao seu auge. O dia voltou, porém, a declinar, e a maré de vida dentro dele fê-lo esquecer o acidente. Quando a galinha favorita deu uma distraída mas provocatória passeata ao seu alcance, atirou-se a ela com todas as penas a vibrar. E o homem que tinha morrido pôde contemplar a vibração instável mas assumida de ave vergada; sem ver a ave mas só a crista de uma onda de vida que, durante um minuto, cobria outra em pleno fluxo de um oscilante oceano de vida. Pareceu-lhe que o destino da vida era afinal mais feroz e coercivo que o destino da morte. A fatalidade da morte uma sombra, se comparada com o destino violento da vida, com a onda implacável da vida.(…)

(…)- O Verbo é como um mosquito que à noite nos pica. Tanto as palavras como os mosquitos atormentam e perseguem o homem até ao túmulo. Mas não conseguem ultrapassar o túmulo. Eu já ultrapassei o local onde as palavras deixam para sempre de morder, o ar é puro, e nada há para dizer: estou sozinho na minha pele, que é muralha de todo o meu domínio.
Tinha curado as feridas, e disfrutava da imortalidade de estar vivo sem impaciência. Porque no túmulo tinha desfeito o nó a que chamamos cuidados. Porque no túmulo tinha largado o eu que luta, se preocupa e cansa. Com um eu destituído de cuidados estava curado, começava a estar completo na sua pele e ria sozinho, satisfeito com a solidão pura, que é uma espécie de imortalidade.(…)

D. H. Lawrence, in O Homem Que Morreu

Pintura de D. H. Lawrence

O Homem Que Morreu